Qual é O Perfil Liquórico De Pacientes Com Esclerose Múltipla?

Qual é o perfil liquórico de pacientes com Esclerose Múltipla?

A esclerose múltipla é uma doença inflamatória e neurodegenerativa autoimune, marcada por surtos e remissões que afetam diretamente a qualidade de vida dos pacientes. Entre os recursos que auxiliam no diagnóstico e acompanhamento, a análise do líquor (fluido que circula no sistema nervoso central) ocupa um papel relevante.

Ele funciona como uma espécie de “janela” para o que está acontecendo no cérebro e na medula espinhal, revelando alterações inflamatórias e imunológicas típicas da doença.

Entender qual é o perfil liquórico mais comum nesses pacientes não apenas ajuda a confirmar o diagnóstico, mas também traz pistas valiosas sobre a atividade da doença e suas particularidades em cada indivíduo.

Esclerose múltipla, um breve contexto

A esclerose múltipla é uma doença autoimune, inflamatória e desmielinizante que atinge o sistema nervoso central, comprometendo a comunicação entre os neurônios. Sua origem é multifatorial, envolvendo predisposição genética, gatilhos ambientais e disfunções do sistema imunológico.

Durante a atividade da doença, células de defesa atravessam a barreira hematoencefálica e atacam a mielina, provocando lesões e inflamação no cérebro e na medula espinhal. Essas alterações deixam “rastros” no líquor, tornando sua análise uma ferramenta valiosa para compreender a atividade patológica em curso.

Características liquóricas mais comuns em pacientes com EM

A análise do líquor na esclerose múltipla revela um conjunto de alterações que, embora não sejam exclusivas da doença, possuem alta relevância para a confirmação diagnóstica e a exclusão de diagnósticos diferenciais. O perfil liquórico típico da EM é caracterizado por sinais de inflamação crônica intratecal e produção local de imunoglobulinas. Entre os achados mais frequentes, destacam-se:

Bandas oligoclonais (BOC) de IgG

  • Detectadas por focalização isoelétrica seguida de imunofixação, representam a presença de imunoglobulinas produzidas localmente no sistema nervoso central.
  • Estão presentes em aproximadamente 85% a 95% dos pacientes com EM.
  • Sua presença no líquor, mas não no soro, é altamente sugestiva de síntese intratecal persistente, típica da doença.

Índice IgG

  • Calculado a partir da razão entre a concentração de IgG no líquor e no soro, corrigida pela concentração de albumina em ambos os compartimentos.
  • Valores elevados (> 0,7) indicam aumento da síntese intratecal de IgG.
  • Embora menos sensível que a detecção direta das BOC, serve como marcador complementar, avaliando também a função da barreira hemato-liquorica.

Pleocitose linfocítica leve

  • Observada em cerca de 30% a 50% dos pacientes no início da doença.
  • Geralmente não ultrapassa 50 células/µL, com predomínio de linfócitos.
  • Indica ativação imune no SNC, mas seu grau discreto ajuda a diferenciar EM de infecções virais ou bacterianas, que costumam gerar pleocitoses mais intensas.

Proteinorraquia discreta

  • A proteína total no líquor frequentemente apresenta um leve aumento, raramente ultrapassando 100 mg/dL.
  • O aumento está associado à disfunção parcial da barreira hemato-liquórica durante os surtos inflamatórios.

Ausência de marcadores infecciosos

  • Um aspecto importante da interpretação do exame do liquor é a exclusão de causas infecciosas. Testes para vírus, bactérias e fungos devem ser negativos, reforçando o caráter autoimune da inflamação.

Em conjunto, esses achados constroem um perfil inflamatório crônico e autoimune no SNC, que, integrado aos dados clínicos e de imagem, aumenta substancialmente a acurácia diagnóstica. É importante destacar que nenhum desses parâmetros, isoladamente, define a doença, mas sua combinação fornece um quadro robusto para confirmação ou exclusão da EM.

A pesquisa de síntese intratecal de cadeias leves livres kappa (Índice Kappa) é um marcador quantitativo bastante sensível de inflamação crônica no sistema nervoso e pode ser detectado em pacientes com esclerose múltipla, mesmo com pesquisa de bandas oligoclonais IgG negativa, especialmente em fases iniciais da doença.

Perfil típico versus atípico do líquor na esclerose múltipla

Embora exista um conjunto de alterações liquóricas frequentemente associadas à esclerose múltipla, o exame nem sempre apresenta o padrão clássico. Reconhecer essa variação evita tanto diagnósticos equivocados quanto a exclusão indevida da doença.

Perfil liquórico típico da EM

O padrão mais característico combina sinais discretos, porém persistentes, de inflamação no sistema nervoso central. Costuma haver presença de bandas oligoclonais de IgG no líquor, ausentes no soro, e um índice IgG elevado, evidenciando síntese intratecal de imunoglobulinas. A pleocitose linfocítica, quando presente, é leve, geralmente inferior a 50 células/µL. A proteína total pode estar discretamente aumentada, raramente ultrapassando 100 mg/dL. Outro ponto importante é a ausência de patógenos detectáveis ou indícios de infecção ativa, reforçando o caráter autoimune do processo.

Perfil atípico

Em alguns casos, o líquor não exibe o padrão inflamatório esperado ou apresenta alterações mais intensas do que o habitual. É possível, por exemplo, que as bandas oligoclonais estejam ausentes, o que ocorre em cerca de 5% a 15% dos pacientes, especialmente em fases iniciais ou formas benignas da doença. O índice IgG também pode permanecer normal, mesmo quando há BOC positivas. Alterações mais marcantes, como pleocitose acima de 50 células/µL, sugerem condições como infecções, neurossarcoidose ou meningites crônicas. Da mesma forma, proteína total acima de 100 mg/dL ou presença de células polimorfonucleares costuma indicar doenças desmielinizantes de outra natureza ou processos infecciosos e inflamatórios distintos da EM.

Importância da interpretação contextualizada

O diagnóstico de esclerose múltipla não pode ser estabelecido apenas com base na análise do líquor. O perfil típico reforça a suspeita clínica quando associado a achados de imagem compatíveis e a um histórico de surtos neurológicos. Já os perfis atípicos exigem investigação cautelosa, pois podem representar estágios iniciais da doença, variações individuais ou, mais frequentemente, diagnósticos diferenciais como neuromielite óptica, encefalomielite disseminada aguda, doenças infecciosas ou autoimunes sistêmicas. A compreensão dessas nuances é decisiva para aumentar a precisão diagnóstica e evitar tratamentos inadequados.

Implicações clínicas do perfil liquórico

A interpretação do líquor na esclerose múltipla vai além da confirmação diagnóstica: ela também orienta a exclusão de outras doenças e fornece pistas sobre a atividade e o comportamento da enfermidade em cada paciente.

No diagnóstico diferencial, o perfil típico da EM ajuda a distinguir a doença de outras condições inflamatórias ou infecciosas que afetam o sistema nervoso central. A presença de bandas oligoclonais restritas ao líquor e um índice IgG elevado, combinados a alterações discretas de celularidade e proteína, tendem a afastar hipóteses como meningites bacterianas ou virais, que costumam apresentar pleocitose mais intensa e proteínas significativamente elevadas.

Doenças como neuromielite óptica, encefalomielite disseminada aguda e lúpus eritematoso sistêmico com acometimento neurológico também podem gerar alterações no líquor, mas, em geral, com padrões distintos dos observados na EM, o que reforça o valor da análise comparativa.

No acompanhamento clínico, a análise do líquor pode ser utilizada para monitorar a evolução da doença e pode ser útil em casos de dúvida diagnóstica ou quando há necessidade de investigar a persistência da atividade inflamatória.

Em pacientes com formas atípicas, ou que não respondem bem ao tratamento, a repetição do exame pode trazer informações adicionais sobre a manutenção ou a mudança do padrão imunológico no SNC. Além disso, avanços recentes têm sugerido que alguns biomarcadores presentes no líquor, como neurofilamentos de cadeia leve, podem ter valor prognóstico, indicando o grau de neurodegeneração e ajudando a prever a evolução clínica.

Assim, a análise do líquor na esclerose múltipla cumpre um papel duplo: confirmar e sustentar o diagnóstico diante de outras hipóteses e, em situações específicas, contribuir para um acompanhamento mais direcionado e individualizado do paciente.

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