O sistema brain4care de monitorização da complacência e pressão intracraniana
A brain4care é uma startup brasileira que está chamando bastante atenção no meio médico. Ela desenvolveu uma tecnologia pioneira no mundo de monitorização não invasiva da pressão e complacência intracraniana, com base na descoberta científica brasileira de que a caixa craniana é extensível.
Isso na prática permite que profissionais de saúde obtenham em minutos um indicador de saúde cerebral que qualifica o diagnóstico, orienta a terapêutica e indica a evolução de distúrbios neurológicos, aumentando a pertinência dos cuidados, a segurança do paciente e a otimização dos recursos.
Antes da tecnologia Brain4care, informações sobre a pressão intracraniana só podiam ser obtidas por meio de métodos invasivos, como a inserção cirúrgica de um cateter na caixa intracraniana, o que limitava o uso desse método.
Neste artigo, falaremos um pouco mais sobre a inovação da brain4care, sua metodologia e aplicações.
O método de expansão craniana
O sistema brain4care tem como base a descoberta de que o crânio apresenta uma micro elasticidade, o que permite mensurar alterações em seu volume resultantes de variações em seu volume interno, esta variação de volume também é responsável pelo aumento ou diminuição da pressão intracraniana (PIC)1,2.
A primeira etapa do desenvolvimento do sensor ocorreu por meio de um método minimamente invasivo, onde um sensor de deformação (strain gauge) era colado sobre o osso craniano, havendo a necessidade de uma pequena incisão cirúrgica1–4.
Este método provou que a elasticidade do crânio permitia a captação da variação em seus volumes internos (sangue, líquor e encéfalo) e até mesmo a captação do pulso cardíaco transmitido no interior do crânio, conhecido como pulso PIC5–7.
A morfologia deste pulso é estudado há décadas, pesquisas mostraram que esta morfologia é correlacionada com o valor da PIC8, com o volume de sangue arterial intracraniano5, com a complacência intracraniana9,10, podendo servir como alarme para piora neurológica11, como preditor de quadros de hipertensão intracraniana13,14, avaliação de pacientes com hidrocefalia e análise prévia do resultado cirúrgico de implante de válvula12.
É importante ressaltar que a complacência intracraniana (morfologia do pulso da PIC) se altera antes da hipertensão intracraniana, com isso é possível ganhar tempo e agir antes, trazendo mais segurança para o paciente e para o médico.
A segunda etapa de desenvolvimento da tecnologia brain4care possibilitou o desenvolvimento de um sistema não invasivo, capaz de detectar as mesmas expansões micrométricas do crânio, revelando a morfologia do pulso da PIC, agora sem a necessidade de incisões cirúrgicas15.
Esta tecnologia foi validada em comparação com o sensor invasivo, mostrando boa correlação entre as informações, excelente concordância entre os sensores e ótima área abaixo da curva ROC para detecção de quadros de hipertensão intracraniana (PIC ≥ 20mmHg)16–19.
A criação de uma tecnologia não invasiva para monitorar a complacência intracraniana e quadros de hipertensão intracraniana possibilita o acesso desta importante informação para quadros clínicos onde essa monitorização já é indicada, tais como traumatismo craniano16,18,19 e acidente vascular cerebral17, mas também possibilita a análise de outros grupos de pacientes, como aqueles com síndrome respiratória aguda20, nefropatas21–23, cardiopatas e pacientes após cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea24, hidrocefalia em crianças25, regulagem de válvulas de hidrocefalia em crianças26, punção liquórica27, pacientes com instabilidade hemodinâmica28, pacientes em cirurgias com risco de hipertensão intracraniana29, entre outros.
As evidências científicas geradas em mais de 60 publicações permitiram a liberação para uso clínico da tecnologia no Brasil (Anvisa) e EUA (FDA), disponibilizando um método beira-leito que permite a monitorização da complacência e hipertensão intracraniana sempre que for necessário, trazendo estas importantes informações clínicas para corroborar com o diagnóstico e acompanhamento terapêutico, trazendo maior segurança para os médicos e pacientes.
O sistema brain4care
A tecnologia é composta por um sensor mecânico, posicionado sobre o couro cabeludo do paciente, na região frontotemporal, capaz de captar alterações nanométricas resultantes dos pulsos da pressão intracraniana. O sensor capta e envia sinais do paciente (pulsos intracranianos) para um dispositivo móvel através do pareamento bluetooth.
O aplicativo exibe as ondas e envia os sinais para a plataforma em nuvem. Algoritmos, por meio de inteligência artificial, processam os sinais e emitem relatórios analíticos automatizados em forma de relatórios, que trazem as ondas dos pulsos intracranianos e seus parâmetros razão P2/P1 e TTP15.
Recomendações práticas para o uso da tecnologia brain4care
Posicionamento do sensor:
- O local aconselhável para o posicionamento do sensor é no centro na região frontotemporal, duas polegadas (5 – 6 cm) perpendicularmente acima da entrada do canal auditivo externo no plano coronal, conforme figura 1. Qualquer um dos lados da cabeça funcionará para a colocação do sensor.
Figura 1 – Posicionamento do sensor
Atenção: otimizar o contato do sensor x couro cabeludo
Aperte a banda de fixação para obter um ajuste firme e confortável, girando a cremalheira da banda de fixação no sentido horário até que um último clique possa ser ouvido sem força excessiva (entre 3 e 17 cliques da cremalheira) conforme figura 2.
Figura 2 – Ajuste da cremalheira
Posicione o paciente.
O exame poderá ser realizado de duas maneiras:
- Exame estático: onde o paciente é posicionado em decúbito dorsal, mantendo a cabeça em posição neutra e alinhada ao osso esterno, sem que haja roupas ou acessórios que possam levar ao aumento da pressão abdominal e/ou toráxica. O objetivo desse exame é avaliar alterações na complacência intracraniana que sejam sugestivas de hipertensão intracraniana. O exame deve ser realizado por no mínimo 5 minutos;
- Exame dinâmico: após a realização do exame estático o paciente é colocado na posição ortostática para a avaliação do resultado do retorno venoso e liquórico na complacência e pressão intracraniana. Caso não seja possível a posição ortostática o paciente deve ser posicionado entre 45º e 75º, evitando a posição sentada a 0º pois esta pode levar ao aumento da pressão abdominal. O objetivo deste teste é avaliar, por exemplo, o funcionamento de válvulas de hidrocefalia. O paciente deve também permanecer por 5 minutos na segunda posição.
Caso o paciente esteja fazendo uso de máscara que aumente a concentração de CO2, tais como N95 ou outras, deverá ser solicitada a retirada da máscara ou troca por máscara cirúrgica convencional.
Interface sensor – aplicativo
Após o posicionamento do sensor e do paciente na maca é necessário conectar o sensor ao aplicativo para realizar a monitorização, de acordo com a sequência abaixo, como demonstrado no treinamento:
- Realizar o pareamento do sensor com o aplicativo;
- Inserir os dados do paciente;
- Avaliar qualidade da onda com os ajustes necessários (posicionamento e cremalheira);
- Apenas seguir para o próximo passo após a obtenção de ondas com padrões semelhantes às mostradas na figura 3.
Figura 3 – Padrões característicos de ondas da pressão intracraniana obtidos de forma correta
- Pressionar o botão “começar a monitorização” que irá direcionar à tela de identificação da curva de complacência;
- Realizar a monitorização por no mínimo 5 minutos em cada posição;
- Após o término da monitorização, abra toda a cremalheira e retire a banda de fixação da cabeça do paciente;
- Realize a desinfecção dos itens com álcool 70% ou degermante;
- Encaminhe o relatório para o médico responsável.
Pacientes indicados para a monitorização com o sistema brain4care
Os pacientes que apresentem suspeita, risco ou comprovada alteração de complacência e pressão intracraniana devem ser monitorados com a tecnologia brain4care. Esta monitorização pode ocorrer por minutos (no mínimo 5 minutos), repetindo várias vezes ao dia, ou de forma contínua em casos mais graves. A frequência das monitorizações também pode variar de caso para caso, dependendo da avaliação médica.
Os casos de pacientes com suspeita de alteração da complacência intracraniana são todos aqueles que apresentem sintomas neurológicos, independentemente se estes sintomas tenham origem não neurológica.
Em qualquer um dos quadros clínicos, os sintomas abaixo listados são um indicativo de atenção e sugerem monitorização com o brain4care:
- Cefaleia;
- Alterações visuais;
- Alteração de marcha;
- Tontura, náusea e vômito;
- Desvio de rima;
- PA de difícil controle;
- Redução da escala de Glasgow;
- Rebaixamento do nível de consciência;
- Delirium;
- Despertar difícil;
- Crise convulsiva;
- Alterações de pupila.
A avaliação de pacientes com estes sintomas pode ser realizada em ambiente de emergência médica, pronto atendimentos, pronto socorros, consultórios, clínicas, laboratórios ou em casos de piora clínica em pacientes internados.
Pacientes não neurológicos, mas com situações que levem a alterações hepáticas, renais, cardíacas e respiratórias também devem ser avaliados quanto a necessidade de acompanhamento da complacência intracraniana, uma vez que tais alterações também podem comprometê-la. A detecção precoce destas alterações possibilita o tratamento de forma mais rápida, gerando impacto no desfecho clínico.
Pacientes em risco são aqueles que já possuem um diagnóstico que pode levar a alteração da complacência intracraniana, tais como nefropatias, hepatopatias, hipertensão arterial de difícil controle, obesidade, deficiência respiratória, pseudotumor cerebri, hidrocefalia, alterações cranianas, sepse, entre outras. Estes pacientes devem ser monitorizados de forma preventiva e frequente, ou como triagem no surgimento de sintomas neurológicos.
Pacientes com alteração já comprovada de complacência e pressão intracraniana, como aqueles pacientes com traumatismo cranioencefálico, acidentes vasculares encefálicos, hidrocefalias, tumores intracranianos e meningite, devem ser monitorados de forma frequente, ou até mesmo contínua, para avaliar se os procedimentos terapêuticos estão resultando em melhora deste quadro.
Interpretando o resultado
A interpretação do monitoramento da complacência intracraniana deve ser realizada por meio da análise da morfologia do pulso da PIC, por meio dos parâmetros razão P2/P1 e time to peal (TTP). Estes números permitem avaliar de forma quantitativa as alterações, que podem indicar alteração da complacência intracraniana e sugerir hipertensão intracraniana. O quadro abaixo apresenta sugestão de valores a serem considerados para estes índices.
Figura 4 – Valores da razão P2/P1 e TTP sugeridos para a utilização da tecnologia brain4care
Os resultados devem ser avaliados ao longo do tempo, de forma dinâmica, quanto maior o tempo, e maior a intensidade da alteração, pior o quadro clínico do paciente.
Quando a opção for a realização do exame dinâmico é necessário avaliar se a mudança postural trouxe melhora ou piora da complacência, caso a posição ortostática tenha levado a melhora de um valor já alterado dos índices, o resultado é indicativo de hipertensão intracraniana, caso o ortostatismo tenha levado a piora dos valores, a sugestão é de quadro de hipotensão intracraniana.
A complacência intracraniana também pode auxiliar na definição de meta terapêutica de pressão arterial28, uma vez que está relacionada à autorregulação cerebral30.
Proposta de uso clínico
A possibilidade de monitorar de forma não invasiva a complacência intracraniana permite atingir pacientes onde a invasividade dos outros métodos era um impeditivo. A proposta da tecnologia brain4care é possibilitar a detecção precoce de alterações neurológicas, permitindo o início dos cuidados neuroprotetivos de forma mais rápida, colaborando com mais segurança para os pacientes e médicos, e muitas vezes colaborando com a redução de eventos e lesões secundárias.
A sugestão é de que todos os pacientes com suspeita, risco ou comprovada alteração da complacência intracraniana sejam monitorizados com a tecnologia brain4care, com tempo e frequência de monitorizações determinados de acordo com a gravidade de cada quadro, permitindo com isso a monitorização neurológica em cenários onde esta não existia, possibilitando a individualização da terapia e contribuindo para o exercício da medicina de precisão.
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